Minha primeira vez

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A primeira vez que sonhei  em viajar pra fora do Brasil,  era uma adolescente moradora  da periferia de Brasília e queria estudar inglês em Boston. Tudo que eu conhecia de Boston e de qualquer outro lugar dos Estados Unidos estavam em livros. Eram minhas primeiras referências de lugares incríveis para conhecer.

Lembro-me de chegar até minha mãe com uma revista de intercâmbio pedindo que ela pagasse um curso de inglês de um mês para mim em Boston. No fundo eu sabia que ela não tinha dinheiro, mas também queria convencer ela que não era uma ideia tão absurda assim. Ela poderia juntar dinheiro, parcelar a viagem, etc.

Minha mãe sempre achou que viajar era luxo. É o tipo de coisa que se faz quando tem dinheiro sobrando e é preciso estar sobrando muito dinheiro para não passar perrengue.

Por causa dos livros eu sempre me imaginava viajando por vários lugares e vivendo aventuras. Meu mundo sempre foi bem maior na minha cabeça.

Na época minha mãe falou que não ia pagar nenhuma viagem e cheguei a ficar bem mal.

Fiz drama.

Depois de uma semana ela disse que tinha uma surpresa para mim. Imaginei que ela teria mudado de ideia, pagado a viagem, parcelado em mil vezes e meu sonho realizado.

Ela me entregou um pacote grande. Pensei que era uma brincadeira para despistar.

Tinha que ter uma passagem ali!!!

Abri o pacote lentamente e me deparei com um casaco de frio para o inverno. Fiquei paralisada.

Decepcionada.

Ela me disse que aquele casaco era pra usar no dia que viajasse para os Estados Unidos.

Ela não tinha pagado o curso de inglês em Boston e nem planejava pagar, mas me ensinou naquele dia a trilhar meu próprio caminho. Realizar meus sonhos com meu próprio dinheiro.

No mesmo ano fiz um mochilão com dois amigos para o Chile, Argentina, Peru e Bolívia.

E um ano depois eu fazia minha primeira viagem sozinha para Nova York com o casaco que minha mãe tinha me presenteado naquele dia.

Até hoje guardo ele.

Viajar para mim nunca foi uma questão de luxo, sempre foi uma questão de direito. Um direito  que sempre foi negado a jovens  da periferia e negros.

Eu já era acostumada a viajar com os livros, mas viajar para outra cidade ou país é ver infinitas possibilidades de Mundos se abrindo na sua frente.  Gosto disso.

Hoje quando falo de todos os países que já conheci (dez!), e os que ainda quero conhecer, presencio diversas reações.

As que mais gosto vem de gente  com a história parecida com minha, da perifa. Gente que se sente de alguma forma representado e encorajado a se jogar no mundo.

É sempre engraçado também chegar a outro país e dizer que moro em uma favela. Existe sempre aquele estranhamento. “Pessoas da favela viajam?”, “Pessoas da favela tem dinheiro?”, “Pessoas da favela acessam esses lugares?” ,“Tem esse conhecimento?”, “Eles não eram carentes?”.

Adoro quando posso quebrar esses estereótipos sem falar muita coisa, apenas vivendo sem medo.

Sem medo de ocupar o mundo que é todo NOSSO apesar de todas as barreiras sociais e raciais.

Hoje percebo que viajar é a forma de aprender mais divertida. Você conhece lugares e culturas novas. Aprende com outras pessoas, multiplica conhecimento e amplia referências. E é também a forma de dizer que qualquer lugar pode e deve ser ocupado por jovens como eu.

Sigo acreditando que viajar deve ser um direito de todas as pessoas.

Talvez por isso que Favelados pelo Mundo é tanto uma parte de mim, como algo que acredito totalmente.

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